domingo, 17 de março de 2013

Nada além da verdade hahaha


PALAVRÕES TAMBÉM SÃO IMPORTANTES

(Luís Fernando Veríssimo)

Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e
criativos para prover nosso vocabulário de expressões que traduzem com a
maior fidelidade nossos mais fortes e genuínos sentimentos. É o povo
fazendo sua língua. Como o Latim Vulgar, será esse Português Vulgar que
vingará plenamente um dia. Sem que isso signifique a "vulgarização" do
idioma, mas apenas sua maior aproximação com a gente simples das ruas e
dos escritórios, seus sentimentos, suas emoções, seu jeito, sua índole.

Pra caralho", por exemplo.
Qual expressão traduz melhor a idéia de muita quantidade do que "Pra
caralho"? "Pra caralho" tende ao infinito, é quase uma expressão
matemática. A Via-Láctea tem estrelas pra caralho, o Sol é quente pra
caralho, o universo é antigo pra caralho, eu gosto de cerveja pra caralho,
entende? No gênero do "Pra caralho", mas, no caso, expressando a mais
absoluta negação, está o famoso "Nem fodendo!". O "Não, não e não!", assim
como o "Absolutamente Não" já soam sem nenhuma credibilidade.

O "Nem fodendo" é irretorquível, e liquida o assunto.,
Te libera, com a consciência tranqüila, para outras atividades de maior
interesse em sua vida. Aquele filho pentelho de 17 anos te atormenta
pedindo o carro pra ir surfar no litoral? Não perca tempo nem paciência.
Solte logo um definitivo Marquinhos, presta atenção, filho querido, NEM
FODENDO!
". O impertinente se manca na hora e vai pro Shopping se encontrar
com a turma numa boa e você fecha os olhos e volta a curtir o CD do
Caetano Veloso.

Por sua vez, o "porra nenhuma!" atendeu tão plenamente as situações onde
nosso ego exigia não só a definição de uma negação, mas também o justo
escárnio contra descarados blefes, que hoje é totalmente impossível
imaginar que possamos viver sem ele em nosso cotidiano profissional. Como
comentar a bravata daquele chefe idiota senão com um "é PhD porra
nenhuma!", ou "ele redigiu aquele relatório sozinho porra nenhuma!". O
"porra nenhuma", como vocês podem ver, nos provê sensações de incrível bem
estar interior. É como se estivéssemos fazendo a tardia e justa denúncia
pública de um canalha.

Há outros palavrões igualmente clássicos. Pense na sonoridade de um
"Puta-que-pariu!", ou seu correlato Puta-que-o-pariu!", falados assim,
cadenciadamente, sílaba por sílaba. Diante de uma notícia irritante
qualquer um "puta-que-o-pariu!" dito assim te coloca outra vez em seu
eixo. Seus neurônios têm o devido tempo e clima para se reorganizar e
sacar a atitude que lhe permitirá dar um merecido troco ou o safar de
maiores dores de cabeça.

E o que dizer de nosso famoso "vai tomar no cu!"? E sua maravilhosa e
reforçadora derivação "vai tomar no meio do seu cu!". Você já imaginou o
bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite do
suportável! , se dirige ao canalha de seu interlocutor e solta: "Chega!
Vai tomar no meio do seu cu!".
Pronto, você retomou as rédeas de sua vida,
sua auto-estima.
Desabotoa a camisa e saia à rua, vento batendo na face,
olhar firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado
amor-íntimo nos lábios.
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E seria tremendamente injusto não registrar aqui a expressão de maior
poder de definição do Português Vulgar: "Fodeu!". E sua derivação mais
avassaladora ainda: "Fodeu de vez!". Você conhece definição mais exata,
pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo
imaginável de ameaçadora complicação? Expressão, inclusive, que uma vez
proferida insere seu autor em todo um providencial contexto interior de
alerta e auto-defesa. Algo assim como quando você está dirigindo bêbado,
sem documentos do carro e sem carteira de habilitação e ouve uma sirene de
polícia atrás de você mandando você parar: O que você fala? "Fodeu de
vez!". Sem contar que o nível de stress de uma pessoa é inversamente
proporcional à quantidade de "foda-se!" que ela fala.

Existe algo mais libertário do que o conceito do "foda-se!"? O "foda-se!"
aumenta minha auto-estima, me torna uma pessoa melhor. Reorganiza as
coisas. Me liberta. "Não quer sair comigo? Então foda-se!". "Vai querer
decidir essa merda sozinho (a) mesmo? Então foda-se!". O direito ao
"foda-se!" deveria estar assegurado na Constituição Federal.

Liberdade,
igualdade,
fraternidade
e Foda-se!